“Queremos uma escola de inclusão”, diz Félix em audiência sobre visibilidade Trans
Foto: Joás Benjamin/ Agência CLDF
Em audiência pública realizada nesta terça-feira (7) no plenário da CLDF, professoras, especialistas, ativistas e membros da comunidade LGBTQIAP+ debateram sobre os desafios para se promover uma educação inclusiva que tenha a escola como um espaço acolhedor com relação à diversidade de gênero.
Intitulado “Visibilidade Trans: Educação é para Todas as Pessoas”, o evento foi uma iniciativa do deputado Fábio Félix (PSOL), que relembrou sua própria vivência escolar para demonstrar como um ambiente não-inclusivo e opressor pode ser prejudicial à sociabilidade e ao desenvolvimento escolar da pessoa LGBTQIAP+.
Para Félix, as inúmeras violências sofridas por essas pessoas desde a fase escolar são reflexos, entre outros motivos, de preconceitos enraizados na sociedade e da ineficiência do Estado em promover a garantia dos direitos básicos dessas pessoas descritos na Constituição Federal. “O que a gente quer construir é uma escola de inclusão, que seja um espaço para todas as pessoas, independentemente da condição humana”, afirmou.
O distrital mencionou dados alarmantes sobre a violência que afeta pessoas trans no país. “O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição compulsória, porque não tem outra oportunidade de inserção no mercado de trabalho. Por isso, temos que ter um olhar específico para a questão trans no Brasil e inserção deles nas políticas públicas. É o nosso desafio no Poder Legislativo e no poder público de forma geral”, declarou.
Ele mencionou ainda iniciativas recentes de seu mandato em benefício das pessoas LGBTQIAP+, como a Lei nº 6.503/2020, que garante o uso do nome social em concursos públicos e a Lei nº 6.804/2021, que determina que pessoas trans tenham o nome social respeitado após a morte. O parlamentar afirmou ainda que busca avançar com um projeto de lei que visa cotas em concursos públicos para essas pessoas.
O promotor de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) Anderson Pereira de Andrade ressaltou a importância de um ambiente escolar inclusivo como forma de humanização e democratização do ensino, uma vez que um dos reflexos do preconceito e violência é a evasão escolar das pessoas trans. “As instituições escolares devem criar espaço acolhedor para alunos trans, promover o respeito e o diálogo sobre o tema, além de desenvolver iniciativas contra a LGBTfobia”, declarou.
Ativistas criticam escolas não-inclusivas do GDF
Uma das questões mais abordadas no debate foi a falta de uma cultura inclusiva tanto a nível institucional, por parte dos docentes da Secretaria de Estado da Educação (SEEDF), quanto a nível governamental, por parte do GDF.
Para Marcia Gilda, Diretora de Assuntos de Sexualidade do Sindicato dos Professores do DF, o sistema público de ensino da capital tem sido omisso com relação a diversas violências sofridas pelo público LGBTQIAP+, além de não oferecer um ambiente propício à aprendizagem desse público. “Os alunes trans não encontram nenhum espaço de acolhimento na escola[…]; o que queremos é que a escola seja um lugar de respeito, e que a gente possa fazer políticas públicas que deem o direito à cidadania às pessoas trans”, pontuou.
A professora e coordenadora do grupo “Mães da Resistência” Patrícia Ramiro defendeu uma educação pública laica, diversa e “para todas e todos”. Ela, que contou ser mãe de duas pessoas transgêneros, narrou seu caso particular para alertar como a falta de conhecimento por parte da população em geral pode promover violência e restrições a esse público. “Nenhuma pessoa nasce trans aos 18 anos. As pessoas são quem elas são. Mas elas se entendem loucas quando não se reconhecem com o corpo em que nasceram, porque o padrão social estabelecido inviabiliza quem, de fato, elas são”, afirmou.
Das barreiras enfrentadas por pessoas trans em ambiente escolar, a mais destacada foi a relacionada ao uso do banheiro. De acordo com os participantes, há uma “narrativa distorcida” popularmente disseminada, em especial por representantes do conservadorismo, de que os banheiros, exclusivos ou não, para pessoas transgêneros representariam risco às crianças. Essa visão foi duramente criticada durante a audiência.
A recém-formada pela rede pública de ensino do DF Chloe da Penha Silva contou seu caso particular para ilustrar os obstáculos enfrentados em escolas públicas do DF. Ela disse que passou pelo processo de transição de gênero em 2023, quando ainda cursava o ensino médio. Chloe narrou que a escola em que estudava, no Paranoá, não possuía adaptação com banheiros que ela pudesse utilizar, o que gerou inúmeros constrangimentos durante a conclusão de seu ensino. “Concluir o ensino médio para uma pessoa trans é um símbolo de resistência”, afirmou.
A professora Ana Artori, responsável pela pasta de gênero e diversidade sexual na SEEDF, afirmou que o posicionamento do GDF é de que o banheiro deve ser utilizado conforme o gênero com que a pessoa se identifica. Ela alegou que a secretaria tem acompanhado as mudanças de paradigma relacionadas às questões de gênero com intuito de promover uma educação acolhedora, inclusiva e não-violenta. “Temos nos dedicado muito para mudar esse cenário”, declarou.
Andy Souza, professora da SEEDF, cobrou que o poder público invista no letramento e preparo da estrutura funcional de ensino do DF para que professores, secretários, coordenadores e diretores tenham capacidade de lidar com respeito com as particularidades que envolvem a pessoa transgênero no universo escolar, sejam professores ou alunos. A não utilização do nome social e o uso incorreto dos pronomes são apenas alguns exemplos das violações sofridas por essas pessoas, segundo ela. “A secretaria é negligente com o docente, com relação à orientação a esses docentes. Não vejo uma promoção para que se melhore essas questões”, disse Andy.
Fábio Félix afirmou que seu gabinete vai produzir um relatório com todos os encaminhamentos produzidos durante a audiência para enviar à Secretaria de Educação cobrando que sejam apuradas as diversas violências relatadas pelos participantes. Além disso, o distrital afirmou que também vai acionar o MPDFT para que sejam apuradas ilegalidades que estejam sendo cometidas.
Christopher Gama – Agência CLDF de Notícias