No ventre da mesma língua: Dia Mundial da Língua Portuguesa

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Há palavras que não cabem apenas nas bocas. Elas nascem do chão que pisamos, do modo como choramos, das formas diferentes de dizer amor, saudade, luta. A língua portuguesa é uma casa sem muros, onde cabem os sons do Atlântico e os silêncios das savanas. Ela não mora apenas nos livros: mora nas ruas de Lisboa, nas ladeiras de Salvador, nas margens do Zambeze, nas vielas de Díli, nas ilhas de Cabo Verde, nos becos de Luanda. Mora nas vozes.

A língua portuguesa não mora sozinha. Ela cruza oceanos, atravessa continentes, habita sotaques, sonoridades e silêncios. É uma língua viva e inquieta. A língua portuguesa não é uma fronteira. É uma ponte que atravessa continentes, sotaques, histórias. Somos mais de 260 milhões de falantes, espalhados por nove países e inúmeras culturas. Cada um com sua melodia própria, com seus modos de entoar a mesma língua. E que riqueza há nisso!

Porque o português não é um só; ele é muitos. E precisa continuar sendo.

Há beleza em ouvir um português cantado com acento africano, ou em escutar as vogais abertas do interior do Brasil. Há força em reconhecer que uma mesma palavra pode ter sentidos diferentes e, ainda assim, fazer sentido.

É urgente descolonizar os ouvidos. Parar de corrigir o que é apenas variação, respeitar a musicalidade de cada território. Não há um português “errado” quando ele carrega verdade, identidade, sobrevivência. O que existe  — e precisa existir —  é o reconhecimento da língua como organismo vivo, que pulsa diferente em cada canto, mas que guarda em si a mesma raiz.

Cada vez que alguém tenta enquadrá-la numa só forma de falar, ou julgar um sotaque como “melhor” ou “mais correto” que o outro, mata-se um pedaço da sua alma. Porque essa língua não se limita a gramáticas: ela vive nas ruas, nas canções, nos provérbios, nas gírias e nos silêncios compartilhados.

Enquanto houver quem fale português com dignidade, haverá resistência. Porque a língua também é ferramenta de poder. É com ela que educamos, que legislamos, que amamos e que denunciamos. É com ela que construímos pontes entre povos, entre épocas, entre sonhos.

A língua portuguesa não é de Portugal. Não é do Brasil. Não é de ninguém e, por isso mesmo, é de todos. Ela se reinventa em cada margem do Tejo e em cada barranco do Amazonas. Ela é feita de encontros. E quanto mais plural ela é, mais bela se torna.

Que neste 5 de maio, possamos ouvir mais do que falar. Ouvir o português que vem de longe. Que vem de outras dores, outras alegrias, outras resistências. E que, ainda assim, é nosso.

Isso porque celebramos não um idioma único, mas uma constelação de falas, um oceano de possibilidades.

E, no meio de tudo isso, a certeza: o português é uma pátria onde cabem muitas pátrias. Porque no ventre da mesma língua há muitos mundos. E todos merecem ser escutados.